3.1.09

As portas-fora: Ha ha! Charada você é!

Minha primeira enxaqueca veio aos 13 anos de idade. Estava fazendo uma prova de matemética. A primeira desde que me mudei para Teresina. De alguma forma, sabia que seria naquela turma, naquele lugar que eu estava. Levantei a cabeça pra pensar e então veio. Me senti nauseado, com dores no corpo, e principalmente na cabeça. Dores que seriam tão familiares para mim depois.
Tirei 2,0 na prova.

Dizem que é hereditário e que não tem cura, apenas tratamento para aliviar os sintomas. Na época só conhecia Another Brick in the Wall. Pink Floyd era uma incógnita para mim e eu não dava a mínima em resover a equação.

Nos anos seguintes, ela persistiria de maneira quase que irritante. Alguns meses, fortes, com crises que chegavam ao incrível patamar de 20 em uma semana. Quando não mais que isso. Era terrivel. Mas cheguei a me acostumar. Quando então, senti falta. Passei meses sem sentir. Lembro-me que a ultima tinha sido proxima ao resultado do vestibular. Depois ela voltou, quase um ano depois sem sentir, sem a intensidade que tinha antes.


Era engraçado. Passei um periodo tendo sempre o mesmo deja vu, que vinha sempre junto à enxaqueca. Eram pessoas que eu não conhecia, cantando uma melodia que nunca tinha ouvido antes.

- Ah Ah! La laaaaaaaaaaaa la laaaaaaaaaa!


E falando coisas que eu não entendia. Fazendo coisas que eu não faria. Rostos negros em uma névoa. Aquela sensação de sonho preto e branco. Por anos, eu achava que aquilo era deja vu. Não enxaqueca.
Na verdade eram os dois. Meses depois eu perceberia que sentia enxaquecas sem deja vu. Eram fracos. Só dores de cabeça leves. As intensasm, as que me traziam uma sensação de morte eminente e dor insuportável, essas eram deja vu.

Enfim, nesse intervalo, passei um tempo sem senti-las. Conheci pessoas que mudaram meu modo de ver. As vezes de forma abruptas. As vezes vagarozamente.Conheci amores. Perdi amores. Conheci as portas... Isso sempre foi uma idéia doida da minha cabeça:

-As Grandes Portas-Fora! Será que é chegada minha hora?

Isso foi uma idéia lúcida(ou semi-lúcida, talvez) da minha cabeça, enquanto eu filosofava sobre valores que eu achava que tinha e que comecei a questioná-los. Mudanças vieram então. E juntamente, ela veio voltando aos poucos. Aquela dor insuportável.
Mas elas começaram a parecer mais claras.

- Ha ha! Cha laaaaaaaaaaaaa cha laaaaaaaa!


Mas ainda sem mensagem. Imagens de rostos se beijando. Eu em uma porta, ao telefone. Eu em uma calçada beijando uma testa e depois beijando outro rosto. Era a mesma coisa que eu senti antes, só que mais clara, definida. O que era aquilo?

Então as coisas mudaram novamente. As pessoas que eu conheci, o mundo que me cercava, os amigos que eu conhecia. Tudo começou a parecer enevoado. Confuso. Minha cabeça rodava mais e mais. A essa altura já conhecia melhor o Pink Floyd. Tinha ouvido já o Dark Side of The Moon. Gostava do cd.
Viajei e voltei e trouxe boas e más novas. Mensagens para conhecidos. Obrigações com alguns, amor para outros. Sentia-me leve. Até que notei perder os dados. Primeiro só um pequeno recipiente, lá em Belém.
Depois tudo em casa. Fracassos estariam definidos, mas não arredei o pé. Corri contra o tempo.
Comecei a baixar tudo novamente. E baixei algumas coisas. Materiais para estudar, trabalhos a adiantar. TCC já era, mas persisti. E achei o CD Animals. Baixei, so que não tinha escutado ainda.
E sinto novamente. Um pouco mais intensa.

- Ha ha ! Cha raaaaaaaaa de aaaaaaaaaa!

Mas depois a festa. A cachaça. Os açaís. O cansaço. Me lembro do cansaço... e que as vozes não me eram estranhas. O apagar das luzes também não me eram estranhos. Algumas frases tinham um ritmo e entonação familiares demais. Comecei a passar mal. Lembro-me de ter ido ao banheiro várias vezes.

-Chicão, vc tá bem?
-Tô!

Não tava. Mas tava suportável. A casa tava cheia de gente. E o dono morto de bêbado. Eu cansado precisava me deitar. Deitei e piorou a dor. Me levantei.

-Minino, tem problema não, pode deitar.


E ela me empurrou com uma força que uma pessoa preocupada não faria. Queria me forçar a deitar. Mas eu não queria me deitar daquele jeito. Eu sabia o que ela queria, mas ela não sabia como eu estava. Eu tava ruim. E fui la pra fora.E sai e me deitei. Fechei os olhos e passou um pouco. mas voltou. E o telefone tocou. Os donos da casa estavam deitados, não podia falar la dentro. Então tive que abrir a porta. Parecia algo guiado. Estava se realizando.
Abri a porta e vi. Os dois rostos se beijando. Eu encostado na porta.

-Tá em casa? To sem chave...já to voltando.

A dor foi insuportável. Achei que fosse morrer ali. Entrei e quase caio em cima da mesa. Vontade de vomitar. Lacrimejando, babando...precisava ir pra casa. Joguei as coisas dentro da bolsa. Respirei fundo, bebi agua. Sai, beijei a testa. Não podia cambalear. Eles estavam vendo. Aquela cena foi terrivel. Precisava de socorro. Socorro! Então fui atrás de Socorro. E Socorro veio. E melhorei. Veio o ônibus e fui pra casa. Ja nao conseguia dormir. Aquela cena estava impregnada:

-Como eles puderam? Era meu amigo...


Estava com a maior ressaca do mundo e não conseguia dormir. Fui ouvir um pouco de música. O CD do Pink Floyd tava la e fui ouvir. Por algum motivo fui ouvir diretamente a Pigs. Talvez por estar bem no meio das outras faixas. Foi quando ouvi:

- Ha ha! Charade you are!


Um tiro na cabeça veio! Levantei desesperado para o banheiro. A dor... foi a pior de todas.Parecia que uma marreta acertou em cheio minhas têmporas. Os olhos não abriam. Não cheguei a tempo. O coração acelerado. A morte chegando, talvez. Cai e apaguei.

Big man, pig man!
Ha ha! Charade you are!


Repetia-se em minha cabeça como mantra. Acordei onde eu tinha caido. Não passei mais do que meia-hora caido. Levantei e as coisas começaram a ter nexo, sem ter uma ligação de fato. A dor que eu sentia era forte demais. Tanto mentalmente quanto emocionalmente.

- Tudo bem né cara?
- Sem problema cara...ja tinha notado vocês dois.


Mal sabia eu que os problemas mal tinham começado. A dor começou a vir pior. E os questionamentos começaram a vir com mais força. Ainda espero algo a ser definido.
Eu de fato fiquei entorpecido. Mas serviu para várias coisas.Principalmente para perceber como são os sonhos.
Os astros não me dizem nada, mas os sonhos se mostraram tão fortes para mim que não posso mais ignorá-los. Tenho que ouvi-los e entendê-los o quanto antes.
Pigs ainda me dá alguma coisa de estranha, uma sensação de mudança, de auto-compreensão e auto-preservação.
As portas se mostraram para mim uma vez e hão de se mostrar novamente.
Só o tempo vai se definir de fato o que serei.
Mas algo eu sei com toda certeza: eu não serei mais o mesmo.

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